Desde o inicio do ano que ando fascinada com os livros que relatam histórias da Segunda Guerra Mundial, quer sejam de ficção ou não ficção.
Este é o segundo livro que leio onde o autor foca-se no Peter van Pels, o adolescente que estava, juntamente com a família Frank, escondido no famoso anexo em Amesterdão. Trata-se de uma figura que sempre me intrigou e ter descoberto dois livros que "iluminam" esta pessoa foi fantástico.
Em "The Boy Who Loved Anne Frank" a autora baseia-se na premissa de que não existem documentos que relatem o que aconteceu a Peter e sobre o que ele disse a Anne, que no fim da guerra ele faria com que ninguém soubesse que ele era judeu.
Esta história começa quando, numa noite, Peter perde a voz e decide consultar vários especialista até chegar ao consultório do Dr. Gabor. E a partir daí ele vai-nos contando a sua história. Como ele acabou por ir para os EUA, como recomeçou a sua vida, como a guerra mudou a sua mentalidade, mais especificamente referente à religião, mas também como o tempo que esteve enclausurado no Anexo influenciou a sua vida.
Tudo isto é narrado um pouco a força, uma vez que Peter não quer que as pessoas à sua volta descubram que é judeu e que esteve num campo de concentração, mas o Dr. Gabor vai-lhe colocando as perguntas com a desculpa de que o facto dele estar afónico pode ser algo psicológico, visto que fisicamente não há nada de errado com ele.
Algo que achei bastante curioso e significativo foi a relação de Peter com a esposa, Madeleine, e a cunhada, Sussannah. Inicialmente Peter mantêm uma relação amorosa com Susannah (a irmã mais velha) mas acaba por se apaixonar e casar com Madeleine (irmã mais nova), o que faz lembrar em muito a situação no Anexo e da relação entre Peter, Anne e Margo. Claramente esta situação foi propositada por parte da autora e é quase como se estivéssemos a ver a vida dos três jovens a desenvolver-se num cenário quotidiano, depois da guerra, sem as restrições causadas pela situação que era viver num anexo. Tudo isso torna-se mais evidente quando nos é descrita as personalidades das irmãs, sendo a mais velha mais calculista (em relação ao seus sentimentos) e a mais nova é mais "livre espírito", mas também pelos sentimentos de inveja entre irmãs, as típicas disputas que só quem tem irmãos reconhece.
Ao longo da narrativa é tão óbvio o medo de Peter em que o mesmo se repita que ele chega mesmo a mentir à esposa, inventando histórias, sobre o seu passado. Mas, na minha opinião, é um medo tão extremo que ele está disposto a perder tudo o que construiu por medo de algo que é incerto, algo tão simples como simplesmente dizer "eu sou judeu".
Quando ele descobre que o diário de Anne foi publicado passa quase a viver uma vida dupla, lê o diário ás escondidas, inventa reuniões só para puder esgueirar-se para um parque de estacionamento qualquer para o ler. E depois começa os comportamentos típicos de alguém traumatizado; o acordar ás 3 da manhã para ir comer tudo o que se encontra no frigorífico, as viagens à sinagoga, o desejo de voltar a Amesterdão.
Confesso que houve momentos em que começava a odiar o Peter e a personalidade que lhe foi criada e, se por um lado compreendia a atitude dele, por outro também o recriminava por isso mesmo. Sei perfeitamente que uma coisa é imaginar o que nós faríamos numa situação daquela e outra é o que uma pessoa, que passou pelo trauma de uma guerra e campo de concentração e que viu toda a gente à sua volta morrer, faria. Mas também, gradualmente, vamos notando uma mudança e, para mim, o momento de viragem foi quando ele decidiu não remover a tatuagem com o número de prisioneiro.
Na minha opinião essas tatuagem são algo positivo. Sim, através dela sabemos que a pessoa passou por algo terrível, mas sobreviveu, teve força, coragem e determinação de sair dali vivo. É uma espécie de testamento, é dizer-lhes "vocês queriam aniquilar-me, mas eu estou aqui, eu sobrevivi" ...
E quando ele vai ao médico para retirar a tatuagem, eu quase que desistia do livro, porque era uma atitude cobarde atrás da outra, mas aí ele desiste da ideia, pelos motivos errados (afirma que retirar a tatuagem é viver no passado e ele não quer viver no passado), mas desiste.
Aos poucos e poucos vamos vendo o enlouquecimento e o desprender da realidade da personagem e tudo porque ele apenas pretende proteger a familia e estar preparado para quando algo do género da Segunda Guerra Mundial voltar a acontecer. E eu digo "quando" e não "se" porque ele tem quase a certeza que tudo aquilo pelo que ele passou se vai voltar a repetir.
"An appealing and inventive novel ... both original and cathartic" (New York Time) é a review que se lê na capa e, na minha opinião, resume o livro.
Relativamente a autenticidade de alguns factores da história, a verdade é que existem documentos relativamente ao que aconteceu a Peter van Pels (acabou por morrer no campo de concentração de Mauthausen a 5 de Maio de 1945, três dias antes da libertação), mas a autora, levada no engano pelo folheto da Casa Anne Frank, já tinha começado a dar asas a imaginação quando começou a pesquisa para este romance e descobriu os documentos da Cruz Vermelha referentes a Peter.
A nível de escrita não tenho nada negativo a apontar, é uma escrita simples e o facto de estar na primeira pessoa (algo que eu odeio profundamente) é um factor bastante positivo e que faz com que o leitor tenha a sensação de estar a olhar para a mente de alguém que realmente passou por um campo de concentração e sobreviveu, com os seus traumas e medos, mas que conseguiu seguir em frente com a sua vida.
Título: "The Boy Who Loved Anne Frank"
Autor(a): Ellen Feldman
Editora: Picador
Ano: 2005
Edição: 1º Edição
Nº de Paginas: 261
ISBN: 978-0-330-44000-4
Sinopse:
Imagine if the boy in hiding with Anne Frank had survived the war...
On February 16 1944, Peter, Anne Frank's closest confidant in the Secret Annex, declared that if he got out alive he would reinvent himself entirely; no would ever know who he was or where he had been during the years of murder and destruction in Europe. This is the story of what might have happened if the boy in hiding had survived the horror.
The Boy Who Loved Anne Frank is a compelling novel about the power of stories, the meaning of history and the possibility of coming to terms with an unbearable burden of memory.